Durante décadas, os porto-alegrenses se acostumaram a ir até a Praça da Alfândega, no coração do Centro Histórico, em um encontro marcado com a literatura. A pandemia, tão indesejada, impede que as bancas e estantes sejam erguidas neste ano – mas a 66ª Feira do Livro de Porto Alegre, que acontece entre os dias 30 de outubro e 15 de novembro, busca dentro da casa de leitores e leitoras o refúgio para não desaparecer. Com o tema Janelas abertas para a praça, o evento terá como convidada de abertura a escritora chilena Isabel Allende.
Para seguir em frente em meio aos difíceis dias da pandemia de Covid-19, esta edição do evento está se reinventando em um ambiente virtual. As vendas de livros serão por meio de e-commerce, e uma parceria com o Sebrae oferecerá apoio em tecnologia para os livreiros filiados à Câmara Riograndense do Livro (CRL).
As mesas com autores, por sua vez, serão transportadas para salas virtuais. “Vamos tentar levar a Praça (da Alfândega) toda para a internet, e daí para dentro da casa das pessoas”, resume a jornalista, escritora e editora Lu Thomé, curadora da Feira deste ano. Demais nomes da agenda, bem como o processo para a escolha do patrono desta edição, serão confirmados pela CRL no decorrer do mês de setembro.
A parte da Feira voltada a jovens e adultos terá, durante os 17 dias de evento, duas programações diárias, às 18h e às 19h30min. A maioria das mesas trará palestras e debates, mas haverá espaço também para três oficinas, abertas ao público, com datas e temas a definir. Antes da abertura virtual, nos dias 13, 20 e 27 de outubro, está programada a realização de eventos introdutórios, que também ajudam a familiarizar todos os envolvidos com as plataformas e parte dos temas que vão costurar a Feira.
Para este ano, os eventos e convidados estarão inseridos dentro de esferas temáticas específicas, propondo uma espécie de percurso conectado pela experiência da literatura. A ideia é uma agenda que se inicie na discussão cultural em si, abordando temas como liberdade de expressão e mercado editorial, e avance para a pauta de diversidade, tratando da inclusão de escritores e escritoras negras, feminismo e igualdade, entre outros.
Também entra na programação uma reflexão sobre a pandemia e o que a literatura tem a nos dizer sobre isso, além de módulos voltados à sustentabilidade e ao pensamento científico. “Queremos fazer um retrato do mundo atual, propondo a discussão de temas essenciais, e apresentar isso tudo a partir dos livros e do que eles podem trazer para os holofotes”, reforça Lu.
A área infantil e juvenil da Feira terá curadoria do Núcleo de Formação de Mediadores da Leitura da CRL, com coordenação de Sônia Zanchetta. A programação trará 20 autores em encontros com estudantes dos ensinos fundamental e médio, às 9h e às 14h. Estão previstas também contações de história, todos os dias, às 10h30min e às 14h30min, a cargo de Bárbara Catarina e Carmen Lima.
A escolha das atrações tem buscado mesclar a presença de nomes conhecidos com novidades na literatura gaúcha e brasileira, além de figuras que possam agregar conteúdo significativo aos temas propostos. Para fugir de eventuais complicações pela necessidade de tradução simultânea, a escolha é por escritores e escritoras do Brasil ou de países de língua espanhola – o que, como pondera Lu, também ajuda a reforçar o caráter da Feira como um evento importante no calendário continental.
Se o caráter on-line reduz custos com passagens e hospedagem, acaba também exigindo uma preocupação especial em termos de acompanhamento tecnológico. Esse processo está sendo feito em parceria com a Fábrica do Futuro, localizada no Quarto Distrito de Porto Alegre, que também vai fornecer, quando necessário, o espaço físico para as transmissões.
Todo esse esforço, é claro, para garantir que as pessoas não percam interesse na Feira do Livro, mesmo sem a possibilidade de circular entre as bancas. “Está sendo um processo bem intenso de aprendizado, de descoberta de novas possibilidades”, acentua a curadora. “Mesmo que o público obviamente perca contato com a praça e com os livros, as pessoas terão a oportunidade de ter contato com outras coisas, que a Feira proporcionava e elas muitas vezes nem sabiam que existiam.”
Um desafio que Isatir Bottin Filho, presidente da CRL, procura encarar como estímulo para a renovação: “Nossa Feira é um patrimônio do Estado, que sempre se manteve relevante e acontecendo de forma ininterrupta. Que bom que temos recursos digitais para garantir que não se perca a oportunidade de cumprir nosso papel, que é a difusão do livro. Em especial em um momento de isolamento social como esse, em que o livro tem se mostrado tão importante para as pessoas”.
Fonte: Jornal do Comércio
Publicada em 18h26min, 26/08/2020.